Resumen
Pretendo apresentar com este texto algumas reflexões preliminares sobre práticas e noções de escrita entre os Tikmũ'ũn, povos de língua Maxakali (macro-gê) atualmente localizados ao nordeste de Minas Gerais. Estas noções poderiam ser compreendidas a partir da continuidade entre canto e imagem, tal qual a prática musical e um conjunto de seus mitos sugerem. A partir de uma experiência de registro, transcrição, tradução e publicação de um significativo corpus de cantos ritualísticos, realizada em colaboração com pajés, tradutores, ilustradores e escritores Tikmũ'ũn, discuto como considerar as formas de escritas já existentes e operantes entre os povos indígenas, e como compreendê-las na continuidade material de sua produção acústica. O que pretendo com esta reflexão teórica é propor que, se estou trabalhando sobre um registro de escrita entre os Tikmũ'ũn - a escrita alfabética - não estou a realizar nenhuma passagem de uma cultura da oralidade para a escrita, nem fixando no registro da escrita uma tradição puramente oral, e ainda menos inaugurando junto a estes povos a prática da escrita que eles já conhecem de seus ancestrais. Faz-se então necessário repensar vários conceitos - ocidentais e nativos - de escrita que se colocam em jogo neste processo.
Palabras clave
Música Tikmũ'ũn/Maxakali, escrita indígena, música e ritual indígena
Abstract
In this text I present a few preliminary reflections on writing practices and concepts among the Tikmũ'ũn, a group of peoples speaking a Maxakali (macro-Ge) language today located in the northeast of Minas Gerais state, Brazil. These notions can be comprehended through the continuity between song and image, as suggested by their own musical practice and by a set of myths. Based on my experience of recording, transcribing, translating and publishing a sizeable corpus of ritual songs, conducted in collaboration with Tikmũ'ũn shamans, translators, illustrators and writers, I discuss how to think about the forms of writing already existing and operating among indigenous peoples, and how to understand them within the material continuity of their acoustic production. In the course of this theoretical exploration I argue that despite working on a particular register of writing among the Tikmũ'ũn – alphabetic writing – I am not realizing a passage from a culture of orality to writing, nor fixing a purely oral tradition in the register of writing, or even less inaugurating the practice of writing among these peoples who already know of this practice from their ancestors. It therefore becomes necessary to rethink various concepts – both western and native – of writing that come into play during this process.
Key words
[Tikmũ'ũn/Maxakali Music, amerindian writing, amerindian Music and Ritual